Deve ser muito divertido viver no obscurantismo, sem se importar com os interesses sociais, votar sempre no candidato que compra […]

A diversão de viver no obscurantismo

Deve ser muito divertido viver no obscurantismo, sem se importar com os interesses sociais, votar sempre no candidato que compra o seu voto, que te doa uma cesta básica ou mesmo roupas usadas, compradas em brechós; candidatos totalmente corruptos e sem escrúpulos, que não vão fazer nada para melhorar sua cidade, ou seja, não vão construir escolas e nem abrir hospitais decentes, não vão melhorar o transporte coletivo e, muito menos, a segurança pública; que não pretendem investir em saneamento básico, cultura, lazer, e ainda vão dizer que a culpa do descaso é do povo! Deve ser um barato eleger esses candidatos, não é mesmo?

Mas quando você precisar de um rancho medíocre, ou de eletrodomésticos de quinta categoria, eles sempre vão estar à sua disposição, afinal, isso é muito mais fácil de fazer – já que fiscalizar os gastos públicos e orçamentos de obras inacabadas, ou mesmo criar projetos de leis e melhorias para o cidadão, dá muito trabalho. Assim, ajudar com coisas fúteis e filmá-las é o melhor negócio que existe. Desta forma, o político se torna um semideus para o povo leigo e feliz.

O que eu acho lindo no povo brasileiro é a fidelidade para com os seus candidatos. É emocionante ver “ordem e progresso” em ações de votar sempre nos mesmos em toda eleição. E, por mais que os candidatos só deem as caras em época de campanha [isto é, de quatro em quatro anos], ainda assim, para o seu eleitorado é como a espera de mais uma Copa do Mundo onde, ao invés das cores da bandeira nacional predominarem nas ruas, são as cores dos partidos e as caricaturas dos políticos que enfeitam as casas e emporcalham a cidade.

Para quê sair em busca de emprego, com medo de passar fome, se você pode usufruir daquele sopão oferecido todos os dias pelo candidato “amigo”? Para quê procurar estabilidade financeira se você pode invadir as calçadas e montar uma barraca cheia de quinquilharias, ou mesmo ficar cobrando taxa de estacionamento em plena rua?

Para quê sonhar com uma casa própria quando você pode invadir qualquer terreno privado e construir um barraco? [E se o terreno for de algum político, logo, é proibido ou visto como área de preservação, mesmo que não tenha uma árvore no dito local].

O povo não precisa de nada, por isso não se importam. As pessoas preferem se acomodar e pedir esmolas em programas de televisão sensacionalistas, geralmente comandados pelos tais candidatos. Quando não, procuram a imprensa para reclamarem da falta de água, da energia que nunca chega, do lixo que se acumula nas ruas, do ônibus que não passa, da escola que ainda não foi inaugurada e do posto de saúde que foi fechado, além de reclamarem também que o candidato eleito por eles nunca mais apareceu no bairro [que pena!].

E quando são questionados sobre o nome do candidato que elegeram, simplesmente se esquecem. Lembram apenas que, em época da eleição, ele distribuiu cesta básica para todo mundo [consciência social é coisa de maluco mesmo… vamos ser como esse povo e viver felizes assim].

Logo, imagino que seja bastante divertido viver no obscurantismo e passar anos puxando o saco daquele chefe do trabalho; se esforçar ao triplo pelo sonho de uma promoção utópica e entregar os companheiros em troca de reconhecimento; esquecer-se da família para casar com o trabalho, além de abandonar os amigos e vê-los apenas como negócios; não tirar os olhos da conta no banco sem perceber, ao menos, o crescimento dos próprios filhos e trocar os feriados pelas horas extras de trabalho; trocar a fé em Jesus Cristo pela amizade do chefe e se reunir com a família somente nas festas de fim de ano; além de não comemorar o aniversário por achar que não vale pena, pois dá muitos gastos… isso se não tiver outra atividade paralela [ou seja, morrer estando vivo sem perceber que vive morto].

Deve ser muito divertido [mesmo!] viver no obscurantismo e passar anos sem nunca ter lido um livro, além de viver longe dos números e da história; não perder um capítulo da novela por retirar exemplos para si próprio, confundindo a vida real com a fantasia, trocando seu vestuário, corte de cabelo, fala, atitude, comportamento e, até mesmo, sua integridade social; ter um trabalho árduo e mal remunerado, mas ser feliz mesmo assim, já que em casa a TV de LCD já foi quitada; ficar devendo todos os mercadinhos do bairro, mas ter o som importado na estante da sala; comer ovos com sardinha e conserva todos os dias, mas ter sempre o dinheiro para manter a academia ou mesmo comprar as bijuterias que a vizinha vende para pagar em cinco vezes; além de comprar tapetes e cadeiras de balanço, pedindo sempre para o cobrador passar sábado e, quando esse dia chega, se trancar no quarto e mandar o filho dar aquela velha desculpa de que você não está em casa.

Logo, esse lixo fútil é o seu maior tesouro… a casa pode estar caindo aos pedaços, a geladeira vazia e os filhos sem o dinheiro para comprar um lanche na escola, mas o lixo fútil ocupa todos os cômodos e móveis, desde o sofá ao microondas, da sala até o quarto, enfeitando a casa de qualquer morador da periferia que só espera por mais uma chuva forte para ganhar outro barraco novo, ligando para a operadora de TV a cabo e pedindo para trocar seu ponto.

Deve ser realmente divertido [pra caramba!] viver no obscurantismo, sem saber quem foi Machado de Assis ou Noel Rosa e, ainda assim, se achar “culto” por saber alguns versículos da Bíblia ou, que sabe, por ter lido os livros do Gugu e da Bruna Surfistinha.

 

*Sid Sheldowt é compositor, poeta e escritor. Autor do livro Apocalipse Tribal.

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