Quem é de Manaus sabe o quanto os clubes com piscinas, as vezes naturais, em áreas livres, espécie de parques […]
Quinta Misteriosa: Assombrada no Bosque Clube
Quem é de Manaus sabe o quanto os clubes com piscinas, as vezes naturais, em áreas livres, espécie de parques afastados do centro eram populares. O da minha infância era o Bosque Clube. Nas décadas de 1970 e 1980 costumávamos passar o domingo inteiro lá. Levávamos nossa própria comida, tipo pick nick e quase tudo era motivo pra correr, pular, subir em árvores e é claro tomar banho nas piscinas.
Eu não sabia nadar, ficava na pequena piscina esverdeada que não era funda. Até hoje consigo sentir aquele cheiro, impregnado de cloro, provavelmente pra esconder aquele xixi que escapou de uma criança, sem que os pais tivessem tempo de levar ao banheiro.E aí é que começa o meu pânico. Adivinhou quem pensou naquele distante, frio e arrepiante banheiro que nós, pobres crianças de oito,nove, dez anos eramos obrigadas a ir. Minha memória recorda daquele longo muro, cor de telha que se transforma em um corredor soturno, com duas saídas, o banheiro masculino e o feminino. Uma dessas tardes de muito refrigerante, picolé e limonada fui ao banheiro sozinha, estava muito apertada.
Estava meio nublado, tinha chovido a tarde toda, mesmo assim, manauara que se preza, não se desespera com uma reles chuvinha, mas o clima colaborou e muito para aquela sensação de medo, de incômodo, como se alguém te seguisse. Eu olhava para trás, mas não tinha ninguém, mas ouvia passos atrás de mim e um cochicho muito baixinho. Quando cheguei no corredor, o chão de cimento verde estava gélido e as poças d’água se mexiam, conforme as gotas caiam das telhas esburacadas. Era como se o tempo parasse, não ouvíamos o som de fora. Nenhuma voz de bicho e nem de gente.
Foi logo depois que comecei a urinar que percebi alguma coisa entrando, minha porta de madeira, sem ferrolho estava presa pelas minhas pernas de criança, esticadas ao máximo, num esforço de proteção de algo que eu sentia, ou pensava que sabia, ser muito ruim.
Era como se o vento parasse, uma sombra cobrisse a luz natural que passava pelos quadradinhos, no alto das paredes. Aquilo vinha se aproximando e mesmo antes de terminar, pulei do vaso e empurrei com a força do meu corpo a porta.
Eu queria gritar, mas a voz não saia. Eu queria chorar, mas não podia. Minha garganta ficou seca e eu congelei. Durou mais ou menos uns dois minutos, até que umas adolescentes, bem falantes, entraram correndo e aquilo, de repente sumiu. Abri a porta, com o meu maiô todo molhado, mas não era de água, corri muito até o chuveiro, pra disfarçar as lágrimas que finalmente conseguiram descer e fiquei um tempo lá, até respirar fundo novamente.
Depois desse dia passei a pedir pra ir no banheiro do escritório, ás vezes deixavam ir lá, quando a gente dizia que tava muito apertada.
Uma vez, adolescente enxerguei no mato, um par de olhos vermelhos. Não era um cachorro, tenho certeza, era aquilo, e aquilo era feito de uma energia baixa, pesada e de alguma forma, entendo que ela queria se alimentar de mim.
Me recordo de ter sido uma criança que apesar de bastante ativa, costumava me isolar as vezes, tinha uma melancolia dentro de mim. Quando visito o Bosque Clube, eu sinto essa mesma melancolia, até hoje. Fico com aquele olhar absorto num vazio, um momento de extrema falta de vontade, enquanto visito a área das piscinas, paradas no tempo, ainda com um resquício de passado, envolto no misterioso que ali habita.
Por Livia Prado: Cantora, Compositora e Roteirista.