Segundo uma pesquisa recente, 66% dos brasileiros afirmaram desejar imensamente abrir seu próprio negócio* em um futuro próximo. Desse total, quase […]
Onde começa a gestão?
Segundo uma pesquisa recente, 66% dos brasileiros afirmaram desejar imensamente abrir seu próprio negócio* em um futuro próximo. Desse total, quase a metade dos entrevistados alegou ter como principal dificuldade para a criação de uma empresa, que pretende ser rentável, a falta de capital necessário para sua operacionalização. Ou seja, no mundo dos negócios, para essas pessoas, ideias e dinheiro precisam andar juntos.
Aqueles que já tiveram a coragem de abrir uma empresa sabem da imensa dificuldade que é mantê-la, gerenciá-la, rentabilizá-la e, principalmente, expandi-la de forma consistente. No bojo das maiores reclamações dos empreendedores encontram-se, ainda, a gigantesca burocracia estatal, o aclamado custo Brasil, a falta de mão de obra especializada, a escassez de crédito, assim como o próprio preço do dinheiro cobrado por quem se destina a conceder crédito, via taxa de juros.
Além dessas dificuldades, certamente a baixa capacidade de gestão de alguns empreendimentos favorece a manutenção das altas taxas de fechamento empresarial precoce no Brasil, onde mais de 60% das empresas fecham as portas em até cinco anos, sendo a maioria delas as microempresas pouco capitalizadas e operacionalizadas pelo próprio empreendedor. Por outro lado, empresas maiores que contam com dez ou mais trabalhadores, têm quase 70% de chances de sobrevivência nos cinco primeiros anos, contra apenas 31% daquelas*.
Em relação a esses números, pense:
Após cinco anos à frente de seu próprio negócio, você decide procurar investidores dispostos a lhe auxiliarem na sua ampliação. Um dos investidores se interessa pelo negócio e lhe convida para uma reunião com seus outros sócios e os respectivos advogados. No dia e local marcados, você entra na sala ansioso para ouvir uma proposta que lhe seja justa e favorável, e que venha acompanhada de um programa estratégico realizável que possibilidade a ampliação da empresa e o crescimento dos lucros. Porém, antes de saber sobre as intenções do investidor, você ouve apenas uma simples pergunta do mesmo:
– Qual é a missão e a visão institucional de sua empresa? O que você considera como mais importante para a construção de um negócio?
Como você responderia a essa simples questão eu não faço a menor ideia, o que sei é que tenho feito essa pergunta para todos os gestores das empresas que tenho visitado e, para minha imensa surpresa, a maioria dos administradores também não conhece a totalidade daquilo que a própria organização considera relevante para sua existência estruturada ao longo do tempo.
Como ser um líder-gestor exemplar sem internalizar plenamente a missão da empresa, qual a visão de mundo que ela considera relevante e como a combinação entre ambas pode contribuir para a construção de um negócio próspero e de um mundo melhor?
Por mais estranho que pareça, muitas pessoas em cargos gerenciais não se importam, ou mesmo, não se interessam pela internalização dos valores e da visão de mundo da empresa, mesmo nas grandes corporações, que tendem a manter por um período de tempo maior a maioria de seus gestores ou dos profissionais propensos a tal. Isso seria mais ou menos como perguntarmos ao bispo de Manaus sobre os dez mandamentos cristãos e ele só conhecer dois. Como viver o cristianismo sem conhecer seus princípios básicos de fundamentação, presentes nos chamados mandamentos de Cristo? Como “vestir a camisa da empresa”, ser leal a ela e se dedicar de corpo e alma sem saber o que ela espera de seus “parceiros”, sem conhecer como ela vê o mundo e em que mundo ela quer viver ou construir?
Eu não tenho dúvidas de que uma boa gestão começa primeiramente pela internalização consciente e sincera sobre qual é a verdadeira missão da empresa, sua respectiva aplicação no dia a dia e a busca pela internalização pedagógica entre os demais colaboradores – stakerholders. Empresas são uma coletividade de fatores – vivos ou não – buscando produzir alguma satisfação humana, de forma consciente, programada e estruturada entre seus inúmeros componentes díspares, que se conectam a partir da percepção dos valores e da missão institucional que “disciplina” sua existência. Empresas, assim como as pessoas, precisam de uma “alma” – de um self – que lhes permita refletir sobre um mundo real e que consiga construir algumas abstrações relevantes sobre o seu próprio mundo.
Liderança e gestão começam inegavelmente pela internalização dos valores que definem a missão institucional de qualquer empresa ou organização, e não atentar para esse detalhe dificulta efetivamente o atingimento daquilo que a mesma se propôs a construir.
Não existe gestão, e muito menos liderança, sem o compromisso “ideológico” com a própria ideologia da organização, que em termos práticos, é aquilo que define a relação mutuamente compartilhada entre todas as partes que a mantêm viva. Define a relação sistêmica entre “criador e criatura”.
*José Walmir Monteiro da Silva é escritor e economista.