Por volta do ano 1000 da nossa era, segundo um texto encontrado em um antigo povoado viking, dois garotos brincavam […]

O único ódio é ao discurso de ódio

Por volta do ano 1000 da nossa era, segundo um texto encontrado em um antigo povoado viking, dois garotos brincavam alegremente quando o de maior estatura deu um empurrão no menor. Este ficou furioso, pegou o machado de guerra de seu pai e, conforme o texto, partiu a cabeça da outra criança. Passados mais de 1000 anos após aquele evento trágico praticado por uma criança que pertencia a um povo que vivia da guerra e para a guerra, duas mulheres discutem em um coletivo, na capital amazonense, e uma delas acaba sendo assassinada estupidamente, após uma discussão sobre coisas provavelmente banais e triviais.nnO que essas histórias tristes sobre assassinato entre inocentes têm em comum?nnA aceitação “pacífica” de discursos de ódio e de sua prática, que têm se avolumado em nosso país em um momento onde as instituições públicas estão sendo profundamente questionadas.nnO principal argumento a favor desse discurso insano é de que a melhor defesa sempre é o ataque violento preventivo, algo intensamente paradoxal para pessoas que vivem em um país que se considera profundamente cristão, pacífico e miscigenado.nnOs vikings eram povos não cristãos que faziam da guerra por saque, resgate ou pilhagem, a sua atividade econômica preponderante, logo, vivendo em uma sociedade onde a guerra era a essência do existir do indivíduo, tinham como deuses principais Odin e seu filho Thor; um adorava a guerra e o outro mais ainda. Por outro lado, o principal “deus” do cristianismo é justamente o próprio Jesus, que contrariamente à visão de mundo dos vikings – de seus deuses guerreiros e daqueles que proclamam o ódio ao outro -, “odiava” a guerra, a intolerância, a violência e o discurso de ataques e agressões. Jesus, ao contrário, amava quem lhe perseguia e quem lhe odiava; oferecia a outra face para quem lhe agredia e perdoava todos que lhe diminuíam e lhe maltratavam.nnO paradoxo de Jesus é que mesmo sendo Deus e tendo poderes infinitos para curar doenças, ressuscitar os mortos, expulsar demônios, caminhar sobre as águas e poder suficiente para destruir todos os seus inimigos, ainda os perdoou sem qualquer remorso ou condição.nnO paradoxo dos cristãos brasileiros da atualidade, mais do que não saber perdoar e esquecer, é aceitar, compartilhar e, às vezes, como no caso da moça assassinada no coletivo, praticar de cabeça erguida ações de ódio e de intolerância como se fossem natural ao homem e à vida em sociedade, contra aqueles que às vezes só têm a beleza e a grandeza de pensar, de se vestir ou de amar de forma diferente.nnO ódio e aqueles que o lhe fazem propaganda precisam ser esquecidos e esvaziados. Nós jamais construiremos uma sociedade melhor a partir da banalização do ódio e da violência declarada. O que precisamos é construir um sistema de justiça jurídica que funcione de forma justa e eficiente para todas, além de reestruturarmos o sistema educacional falido que coloca alunos, pais e professores como se fossem inimigos irreconciliáveis. E precisamos entender que sociedades só crescem unidas e de forma pacífica.nnPor fim, para ver a nossa cegueira em relação a Jesus Cristo, sou obrigado a citar Mahatma Gandhi, que declaradamente não era cristão e afirmava que ele só se converteria ao cristianismo se os cristãos fossem cristãos pelo menos por um dia…nnAlgo que aprendi na catequese católica na minha infância é que, para sermos cristãos, a primeira lição – após o amor incondicional a Deus – é o amor, o perdão e o respeito ao próximo.nnA única coisa que devemos odiar é o próprio ódio.nn*José Walmir Monteiro da Silva é escritor, professor e economista.

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