Por: José Walmir Em tempos de exaltação suprema pela garantia das liberdades individuais, com crescente consciência de emancipação humana, indaga-se […]

O Liberalismo Econômico em Tempos de Tarifaço
Por: José Walmir
Em tempos de exaltação suprema pela garantia das liberdades individuais, com crescente consciência de emancipação humana, indaga-se aqui, tal qual se veem em inúmeras postagens nas redes sociais, se o liberalismo econômico tão perseguido no mundo globalizado, encontra-se, neste momento, em vias de extinção?
Em ótimo artigo intitulado “Liberalismo econômico na nova ordem social” (2004), Ignácio Ferrero enumera as principais características daquilo que se conhece por liberalismo econômico que, a partir da consolidação do processo de globalização, emergiu como doutrina econômica dominante no mundo ocidental.
Para o autor, a primeira condição do liberalismo é a primazia do indivíduo sobre a sociedade, ao considerar que as escolhas de fins pessoais, opondo-se a uma determinação estatal, religiosa ou supraindividual, possibilitam que o indivíduo seja o único responsável pela determinação do rumo de sua própria vida.
Essa pressuposição do indivíduo como único senhor de seu destino ajudou a moldar a lógica da ética utilitarista de tradição Anglo-Americana, imensamente valorizada no meio empresarial, por considerar que a busca pelo interesse e prosperidade pessoais conduz necessariamente à prosperidade coletiva.
Ao encorajar a iniciativa, a originalidade e o empreendedorismo de seus indivíduos, toda sociedade se fortalece, pela emergência de recursos pessoais que de outra forma não seriam evidenciados. O liberalismo transforma a confiança no indivíduo em garantia de que muitos outros serão beneficiados pelo progresso obtido de forma individual.
Assim, tem-se que uma das condições necessárias para que indivíduos e sociedades prosperem, “é que lhes sejam permitidos agir livremente, sem interferências desnecessárias, respeitando a sua esfera de autonomia e independência”.
A defesa dessa liberdade se projeta em todas as esferas de ação do indivíduo: liberdade de possuir, vender, comprar, transportar, produzir, trocar, mover-se, expressar-se, emprestar etc. Para os liberais ortodoxos, a liberdade é algo indivisível: devendo ser protegida simultaneamente em todas as suas facetas; se um direito é violado, todos os outros também o são (Ferrero, 2004).
Para os vencedores do Nobel de Economia de 2024 – Robinson e Acemoglu -, acrescenta-se a essa condição, para que as nações prosperam, a qualidade das suas instituições.
Apesar de Adam Smith ser considerado o pai da economia liberal, “foi Locke quem expandiu o conteúdo dos direitos do indivíduo ao direito à propriedade privada. Afirmando que os homens não podem ser livres sem que desfrutem do direito “sagrado” à propriedade sobre suas habilidades pessoais, seu trabalho e o resultado econômico obtido através deles.
Segundo Ferrero são essas as razões que apoiam a supremacia do indivíduo sobre a sociedade, servindo de base para a tese essencial do liberalismo econômico afirmado exaustivamente pelos teóricos liberais nos últimos 200 anos.
Trazendo essas considerações para a recente política tarifária do governo americano, pondera-se se essa imposição, de certa forma, distorce a lógica do liberalismo econômico da qual os Estados Unidos sempre foram fortes defensores, desde os tempos dos Whig’s.
Uma certeza da teoria econômica é que qualquer alteração nos preços dos fatores (insumos) necessários para produção de bens e serviços tendem a ser repassados (quase sempre) para os consumidores finais, ao menos no curto prazo. Assim, assume-se como certeza que parte dos valores que serão cobrados em tarifas de importação serão acrescidos ao valor final dos produtos vendidos no mercado americano.
Considerando-se que o aumento no custo de vida (inflação) é propaganda potencialmente negativa para qualquer governo, pode-se conjecturar que o governo americano pode ser tentado a querer usar parte dos dólares arrecadados em razão da cobrança de tarifas para isentar impostos ou subsidiar o consumo de parcela significativa da população americana, atenuando no curto prazo, os efeitos negativos causados pela inflação decorrente da cobrança dessas tarifas.
Para qualquer individuo cujo padrão de vida diminuiu essa seria uma ação correta e justa: o governo compensar com subsídios econômico-financeiros a perda de poder aquisitivo resultante de sua nova política tarifária.
Porém, voltando à lógica do liberalismo socioeconômico acima comentado, essa solução resultaria em forte paradoxo àquela lógica, posto que, diferentemente do que expressaram os defensores dessa doutrina, o liberalismo econômico parte do direito “sagrado” à propriedade sobre as habilidades pessoais, o trabalho e o resultado econômico obtido pelos indivíduos através deles, que ficariam sob “gestão” do Estado, e não, das próprias pessoas responsáveis pela sua produção.
Se a liberdade também “for entendida como a independência dos indivíduos no que se refere ao poder público quanto aos seus direitos”, a amplitude dessa liberdade será determinada pela qualidade e diversidade dos direitos exercidos além das limitações impostas pelos poderes do Estado não destinados à garantia da segurança dos negócios e das relações pessoais.
Assim, a lógica conceitual do liberalismo econômico, em sua maioria, descrevia sociedades parcialmente fechadas ao comercio internacional de massa. Além de considerar os seus próprios cidadãos como recebedores do nível de liberdade necessário para construção de uma nação rica, livre e soberana.
Porém, considerando-se a mundialização de quase todos os aspectos da vida humana, o moderno liberalismo necessariamente passou a ter o mundo todo como palco, e seus indivíduos permanecendo como atores principais. Restando, mais uma vez ao Estado moderno, colocar-se apenas como instrumento para segurança e crescimento das pessoas, sem se interpor como empecilho às suas relações econômicas, afetivas e sociais.
*José Walmir é Mestre em Gestão & Liderança e Escritor.
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