É incrível como a imbecilidade do povo brasileiro é manifestada nos momentos em que o povo mais se considera justo […]
O julgamento que condenou o Brasil
É incrível como a imbecilidade do povo brasileiro é manifestada nos momentos em que o povo mais se considera justo ou mesmo inteligente. Quando um caso de extrema importância social atinge essa massa de pobres intelectuais das novelas e dos programas sensacionalistas, é como se mexesse numa ferida que há muito estava cicatrizada e que, de repente, é aberta com a força e o auxilio dos meios de comunicação.
O caso Nardoni foi um exemplo bem claro de como o povo se torna forte e perigoso quando deseja, pois o povo unido tem uma força tão incrível que assusta até o sistema – que, com medo, se rende perante a vontade popular. Pena que toda essa força só é usada em situações de comoção e nunca para uma nova revolução, pois quando realmente é necessário usar esse poder, o povo se torna pacato novamente.
E são nesses tipos de casos que percebemos que não são apenas os menos favorecidos que se unem a uma causa, todas as classes sociais botam as asinhas de fora criticando, fazendo passeatas e protestos pedindo justiça, e isso é inacreditável!
Esse caso triste que abalou a sociedade, infelizmente revelou não só apenas a imbecilidade da natureza humana, como também o fanatismo do homem pelas tragédias. Desde o menos favorecido ao mais alto dos escalões das classes sociais se unem formando um único corpo revoltando-se com algo que abala a humanidade desde os primórdios, pois a morte de Abel assassinado pelo próprio irmão Caim, já era uma demonstração de como o homem se comportaria em sociedade.
O que é difícil de aceitar é toda a cobertura escandalosa da mídia, que narrou essa tragédia como um espetáculo circense, boletins saindo de hora em hora, informações exclusivas apresentadas de minuto a minuto por cada emissora, haja furo de reportagem! Incrivelmente esses furos têm um impacto tão profundo que é impossível para o povo querer saber de outra coisa a não ser sobre o caso, e isso vende e dá muita audiência.
Essas manchetes “jornalísticas” muitas vezes nem se importam com a dor dos familiares, tanto da vitima quanto dos réus, pois não se deve condenar toda uma família por erros individuais, o que no Brasil sempre é feito nesses casos, onde o povo ameaça os familiares, apedrejam suas casas, pixam os muros com palavras de protesto sem contextos, condenam antes mesmo da justiça, e tudo isso só torna a imbecilidade mais explícita, e a família da vítima se torna exposta 24 horas por dia, sem poder refletir e curar sua dor.
Fiquei triste mesmo, ao observar jovens universitários e estudantes de direito dormindo em frente ao tribunal esperando por uma chance de poder acompanhar o julgamento de perto, outros apenas querendo melhorar os seus currículos, outra grande maioria usando a desculpa do aprendizado: “Vou aproveitar para usar todo esse caso e desenvolver um trabalho bem interessante!” ridículos profissionais do futuro, famosos porta de delegacia. Isso é muito mais repugnante porque envolvem os jovens que um dia serão o futuro do país, não são leigos ou mesmo analfabetos, eles são jovens inteligentes de boa família e que também foram comprados e bestializados por toda a repercussão do caso Nardoni.
No momento da sentença teve emissora que cortou sua programação normal para transmitir o veredicto ao vivo. O Brasil todo parou diante da TV, talvez se no mesmo momento a seleção Brasileira estivesse disputando a final da copa nos pênaltis não teria audiência nenhuma, porque naquela hora só importava o resultado da sentença. Quando o jovem casal foi finalmente condenado, houve verdadeira euforia por todos os cantos do país, até foguetes soltaram, os que moravam por perto do tribunal fizeram festa e passeatas, parecia que o Rubinho Barrichello havia sido campeão de F1. Todo o país se sentiu aliviado justo e bom, o povo comemorou a justiça que foi feita, o sistema mais uma vez fez a vontade popular parecer certa, incentivando o povo a acreditarem no país, viva a nossa democracia, Viva ao povo brasileiro!
Mas quando acontece um escândalo político como o mensalão, dinheiro na meia e na cueca de políticos ordinários, castelo milionário, fazendas e imóveis sem declaração, o uso irregular dos cartões corporativos gastos com regalias, aumentos salariais astronômicos para falsos políticos que determinam quando querem ir trabalhar, o estupro cometido na Petrobrás e tanto outros desvios de verbas, e propina astronômicas. Toda a sonegação de impostos, fortunas depositadas nos bancos da Suíça e em outros paraísos fiscais, impunidade, CPI’s que sempre acabam em pizza, político que vai para o tribunal e pode passar o julgamento todo em silêncio, sem nunca ser condenado, meu Deus! Nessas situações de extrema importância nacional, cadê o povo brasileiro?
Em todos esses escândalos o povo nunca se manifesta e a mídia não se envolve. Não informam de hora em hora e nem ficam fazendo manchetes sensacionalistas, mostram alguns pequenos trechos rapidamente só pra não passar em branco.
O povo não quer saber disso ora, ninguém morreu, e se não envolve tragédia, não vende e nem aumenta o IBOPE, os universitários e os estudantes de direito não querem saber sobre esses assuntos, até porque como dizem a grande maioria: “religião e política não se discutem!” Que argumento esdrúxulo para fugir das responsabilidades de cidadãos. Até nisso existem formas de tornar as coisas mais fáceis de entender, pois a corrupção é normal, os escândalos na política são fatos relevantes, a máfia que nós cerca já é algo que no Brasil vem desde a época do império, ou seja, a corrupção no nosso país é histórica. Talvez por isso o povo não se importa e não vai para as ruas ou mesmo dão importância na mídia. A verdade é que o povo não sente um pingo de REVOLTA!
E quando o povo vai protestar nas ruas como aconteceu na revolta dos 20 centavos, é uma manifestação com dancinha e coreografia, bandeiras de partidos e movimentos, bebidas, Self para o Facebook, vandalismo, batucada ou mesmo de carro ouvindo Legião Urbana…Que país é esse?
Os políticos desviam milhões dos cofres públicos, mas a revolta é por 20 centavos.
Mas quando (Espero que não!), acontecer outro caso semelhante ao do casal Nardoni, o povo novamente vai sair e se escandalizar pedindo justiça e ameaçando o sistema, por enquanto a política continua roubando enquanto o povo descansa feliz de novo. Os escândalos políticos não merecem sua atenção, voltemos a assistir mais um capítulo da novela que é bem mais interessante do que um julgamento que condena o bom senso brasileiro, já que a moda agora é pedir FORA ISSO, FORA AQUILO! Mesmo que ambos pedidos venham do mesmo cesto.
*Sid Sheldowt é compositor, poeta e escritor. Autor do livro Apocalipse Tribal.