Meu amigo Manoel Amorim fica furioso quando eu lhe afirmo que, infelizmente, o futebol se tornou essencialmente eurocêntrico. Na verdade, […]
O futebol é Eurocêntrico
Meu amigo Manoel Amorim fica furioso quando eu lhe afirmo que, infelizmente, o futebol se tornou essencialmente eurocêntrico. Na verdade, trata-se de um eurocentrismo relativo, porque a grande maioria das contrações milionárias, dos maiores salários pagos aos atletas e do acúmulo de craques e treinadores renomados se concentram em cinco campeonatos nacionais; Inglaterra, Itália, Alemanha, Espanha e, agora, a França. Na temporada 2017/2018, essas cinco ligas investiram mais de 3,5 bilhões de euros em contratações, que representou aproximadamente 85% de todos os investimentos do futebol europeu.
Somado a esses campeonatos, temos ainda a UEFA Champions League, que se transformou no maior, mais caro e melhor campeonato de futebol do planeta, que obviamente, também é uma competição europeia, e que se tornou uma febre no Brasil, tendo contribuído para o crescimento vertiginoso de crianças e adolescentes que só torcem para Milan, Juventus, Manchester United, Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique.
O domínio financeiro europeu tem se refletido nos campeonatos mundiais intercontinentais: das últimas cinco Copas do Mundo os europeus venceram quatro; dos últimos dez mundiais interclubes, os europeus venceram nove; e dos 20 jogadores eleitos como melhores do mundo, todos jogavam na Europa.
Esse eurocentrismo tem produzido reações diversas, principalmente quando se percebe o abismo existente entre o futebol que se joga no Brasil e aquele disputado na Europa. Torcedores mais antigos o detestam. Os não tão antigos como eu, assistem aos campeonatos europeus, mas sem esquecer do Campeonato Amazonense de Futebol, que é centenário e herança cultural recebida de meus pais. Por outro lado, os torcedores mais novos, valorizam-no exacerbadamente, compram materiais esportivos e conhecem os clubes e os jogadores principais. Em Manaus, atualmente, excetuando-se as escolinhas de futebol do Fast Clube e do Tarumã, eu só conheço escolinhas “cover” de clubes europeus.
Há muitas explicações para esse fenômeno, sendo a mais comentada e odiada pelos brasileiros a questão financeira. Porém, existem muitos aspectos relacionados ao futebol que não são financeiros. Um deles, em relação ao Brasil, mas que é pouco comentado por aqui, refere-se diretamente aos descaso absoluto dispensado aos jovens brasileiros, cuja incapacidade do país, em lhes proporcionar perspectivas justas e concretas, tem feito com que 70% de nossa juventude, afirme querer deixar o país se tiver oportunidade de trabalhar fora e, para os jovens pobres e negros das periferias, que são o alvo preferido da violência urbana, qual a melhor chance de conseguir “cair fora” de um país que consideram injusto e vagabundo, se não pelas asas do futebol? Como disse alguém, no Brasil, onde houver um moleque com uma bola haverá um sonho….
Outro ponto ocultado sobre o futebol nacional é a corrupção consentida, que é aquela em que alguns dirigentes conseguem sair milionários dos clubes que dirigiram, enquanto estes continuam na penúria financeira, sem estádios, sem conseguir manter bons jogadores e sem oferecer opções de conforto e lazer para os seus torcedores.
A soma de tudo isso faz com que os dirigentes dos clubes brasileiros não queiram sair do país para não perderem o osso (e por medo de serem presos). Os melhores jogadores pensam justamente o contrário. Sair, ir embora e, se der, conseguir uma naturalização, para nunca mais voltar. Os torcedores antigos não têm coragem de levar mulheres, filhos e netos aos estádios, por causa da violência impune, as crianças ficam sem referência esportiva nacional e os europeus riem da nossa cara por não termos condições de organizar um campeonato com nossos maiores craques. Se quer organizamos os clubes, que continuam parecidos com sindicatos de delinquentes.
Porém, o maior patrocinador da fuga de nossos craques e da falência das competições nacionais é quem controla financeiramente os clubes e as competições: a Globo, que diferentemente do que fazem os organizadores dos melhores campeonatos, distribui de forma extremamente desonesta os valores pagos para transmitir os jogos que ela seleciona de acordo com suas preferências pessoais, onde dois ou três clubes ficam com quase metade do valor total investido, restando para os demais uma parcela miserável, principalmente para os clubes do Norte, do Nordeste e do Centro Oeste, posto que, a emissora decidiu que os torcedores dessas regiões só têm uma opção: torcer para os times do Sul e do Sudeste, ou falir juntamente com seus clubes centenários.
Os melhores campeonatos do mundo: NBA, NFL, Champions League, Campeonato Inglês, por exemplo, os clubes em qualquer divisão recebem valores muito parecidos, o que garante a manutenção de uma estrutura decente para o clube e de uma competitividade sadia no campeonato, onde se busca valorizar os times locais, ao invés de se criar torcidas artificiais onde não existe qualquer vinculação entre clube e torcida.
O Brasil do futebol, está muito longe da maturidade e da ética esportiva que poderiam “limitar” o desejo de milhares de jovens brasileiros de se aventurar na Europa. Mais ainda, essa onda que leva jogadores, está progressiva e silenciosamente levando consigo muitos dos potenciais torcedores do futuro, semelhante ao que aconteceu à torcida amazonense, quando o campeonato carioca começou a ser televisionado para o nosso estado, que foi perdendo o gosto pelo futebol local, esvaziando os estádios e tatuando nas nádegas alguma coisa relacionada àquele futebol tosco, distante e distorcido da nossa realidade.
José Walmir Monteiro da Silva é escritor, professor e economista.