Manaus, anos 90. Quando o sol se punha e a névoa quente subia do asfalto, as mães trancavam as portas, […]

Imagem ilustrativa de um Chevrolet Opala preto - Divulgação

O Carro Preto

Manaus, anos 90. Quando o sol se punha e a névoa quente subia do asfalto, as mães trancavam as portas, chamavam os filhos para dentro e olhavam desconfiadas para a rua. Um medo silencioso pairava no ar. O medo do Carro Preto.

As histórias variavam. Alguns diziam que eram traficantes de órgãos, sequestrando crianças para vender no mercado negro. Outros sussurravam que eram seitas macabras, levando os pequenos para rituais sombrios na floresta. Havia até quem acreditasse que não eram pessoas, mas algo pior, algo que se alimentava da inocência e da alma dos mais jovens.

O carro sempre surgia do nada, deslizando pelas ruas desertas sem fazer barulho, com vidros escuros e faróis amarelados cortando a noite. Quem olhava diretamente para ele sentia um arrepio, uma sensação inexplicável de que algo dentro daquele veículo não pertencia a este mundo.

Os poucos que voltavam nunca eram os mesmos. Vagavam sem rumo, sem lembrar o que aconteceu, murmurando coisas sem sentido. Alguns, em momentos de delírio, balbuciavam frases como “ele disse que volta” ou “eles estavam todos lá dentro”. Mas quando alguém perguntava quem eram “eles”, os olhos das crianças se enchiam de terror, e elas se recusavam a falar.

E mesmo hoje, quem anda por certas ruas vazias de Manaus garante que, se ouvir um motor estranho à noite, é melhor correr. Porque o Carro Preto nunca parou de procurar.

Sid Sheldowt é escritor, poeta e compositor

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