Após a publicação do texto anterior, sobre o analfabetismo digital avançado do século XXI, várias pessoas me pediram para aprofundar […]

Analfabetismo digital do século 21 parte II

Após a publicação do texto anterior, sobre o analfabetismo digital avançado do século XXI, várias pessoas me pediram para aprofundar o tema, por considerar ser extremamente importante e por perceber que seja algo que ainda se faz ausente das discussões sobre as melhorias do sistema educacional periférico.nnComo escrevi antes, uma das mudanças mais significativas nos sistemas de informação dos últimos séculos foi a massificação do uso da internet, que possibilitou a construção de um sistema de comunicação e de compartilhamento de informações de muitos para muitos. Antes da internet, a quase totalidade dos sistemas de informação era controlada por poucos canais de produção/distribuição, que produziam e transmitiam suas notícias de acordo com suas afinidades e o interesse de seus financiadores. Naquele sistema, mesmo que não se pudesse garantir que as informações não fossem manipuladas, ao menos, podia-se garantir a origem das mesmas, de forma que, havia um relativo cuidado com a veracidade dos fatos, que se tornava um fator super importante e uma das condições mais relevantes para a manutenção dos próprios negócios relacionados à produção de notícias.nnAtualmente, nesse novo sistema de produção de notícias descentralizado, corroborado por uma capacidade de anonimato ainda maior, e trabalhando de forma remunerada para alguém que tenha alguma finalidade em determinadas questões, a produção de noticias falsas ou desvirtuadas da verdade foi potencializada. Os muitos canais de produção de noticias falsas, conjugado à baixa escolaridade do brasileiro médio e à indisposição que a grande maioria das pessoas tem em não achar importante a checagem de fontes seguras e confiáveis, o Brasil se tornou o campeão mundial das notícias falsas que são tidas como verdade.nnEssa nova condição, onde a verdade passa a ser secundária, cria uma nova classe de analfabetos do mundo digital, que além de não conseguir manusear dispositivos computacionais, ainda se torna incapaz de selecionar e de filtrar informações úteis entre os milhares de notícias que são compartilhadas diariamente através de redes socias e outros meios.nnA incapacidade de adentrar nas contradições das notícias que são compartilhadas pelas redes sociais, a incapacidade de buscar se informar por fontes confiáveis tradicionais – livros e jornais -, a incapacidade de saber relacionar noticias correlatas a um propósito específico e a incapacidade de querer refletir continuamente sobre o próprio conhecimento acumulado fora da internet está contribuindo para a consolidação daquilo que chamei de analfabeto digital avançado, que nada mais é do que a incapacidade do individuo em distinguir de forma confiável e segura verdades, mentiras e suas “consequentes consequências.”nnNo maravilhoso filme O Mágico de Oz, de 1939, do diretor Victor Fleming , a ingênua Dorothy resolve fugir de casa com seu cachorrinho Totó. No caminho da fuga, ela encontra um mágico itinerante, chamado Marvel, que lhe afirma ter uma bola de cristal capaz de ver o que quiser. Na cena da adivinhação, o mágico pede à moça que feche os olhos enquanto tenta ver o que a bola de cristal irá mostrar. Na sequência, pega a bolsa da mocinha a fim de tentar obter alguma informação sobre ela. Ao encontrar uma fotografia dela com sua tia, começa a fazer suposições sobre a vida familiar dela, que coincidem com parte da realidade.nnOs falsários e os charlatães da verdade da atualidade continuam trabalhando e lucrando com a produção e o compartilhamento de notícias falsas, só que, diferentemente daquele mago, não precisam abrir a bolsa de suas vítimas, pois conseguem tirar a “fotografia” de que precisam para enganar os outros, das próprias redes sociais. A partir daí, fica fácil entrar na alma e na mente das pessoas que selecionaram para enganar ou apenas para retransmitir suas notícias.nnAssim como muitos de nós, a ingênua Dorothy acreditou cegamente na “fantasia” visível que aquele mágico queria mostrar, e acreditou piamente em sua suposta verdade. Assim agem os analfabetos digitais avançados do século XXI, acumulam informações, desenvolvem análises, cristalizam conclusões e constroem seu mundo interior a partir de um oceano gigantesco de mentiras internalizadas que são visualizadas na tela do próprio smartphone ou notebook. para esses, a funcionalidade mais relevante desses dispositivos é justamente comunicação e informação ilimitada.nn*José Walmir Monteiro da Silva é escritor, professor e economista.nn 

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