Recentemente fiz uma palestra para alunos universitários e, em uma das atividades, solicitei aos participantes que respondessem sobre a veracidade […]

Analfabetismo digital avançado do século 21

Recentemente fiz uma palestra para alunos universitários e, em uma das atividades, solicitei aos participantes que respondessem sobre a veracidade ou a falsidade de algumas questões, afirmações e dados que circulam diariamente pela internet. Como era de se esperar, eles erraram 90% das perguntas, que é um percentual elevadíssimo para alunos do terceiro grau.nnNesse aspecto, existem dois dados que contribuem para alimentar a falta de conhecimento, de capacidade de análise e de interpretação de dados e informações, quanto à sua veracidade, utilidade e validade dentro de um contexto específico, ou seja, falta ao brasileiro aquilo que alguns psicólogos consideram como sendo uma característica fundamental das pessoas inteligentes: a capacidade de filtrar informação e de transformá-las em alguma utilidade humana.nnO primeiro aspecto, é que o brasileiro historicamente não gosta de ler. Primeiro não lia porque não sabia ler, visto que até a década de 50, metade da polução ainda era “analfabetizada”. Depois da massificação do sistema educacional e da diminuição do número de analfabetos, o brasileiro passou a gastar muito mais tempo assistindo à TV ou navegando pela internet do que propriamente lendo, em termos de horas. Atualmente, os brasileiros leem em torno de 4 livros por ano, enquanto a média de leitura nos países centrais é de mais de 20 livros.nnOutra pesquisa recente indica que os brasileiros passam em média 10 horas na internet e 5 horas lendo. Para piorar, o principal meio de informação do povo brasileiro ainda é a TV, seguido da internet, quase 90% do total. O primeiro é monopolizado por emissoras familiares, enquanto que o segundo é desorganizado e desregulamentado.nnEsse desprezo para com a leitura, talvez, confirme parte da análise de Max Weber de que os países de tradição católica são menos desenvolvidos, ou se desenvolveram tardiamente, porque os fiéis desses países não foram incentivados à prática da leitura, como nos países protestantes que, a partir da tradução da bíblia do latim para o idioma alemão, por Lutero, tiveram tal incentivo, e passaram a ter depois da bíblia, livros, revistas e jornais como principais fontes de formação e de informação.nnPorém, o aspecto mais perverso do processo de desinformação que acomete o brasileiro da atualidade, refere-se diretamente ao desenvolvimento agudo daquilo que os jornalistas californianos chamaram de analfabetismo digital, ainda nos anos oitenta, que originalmente se referia apenas a incapacidade do indivíduo de manusear dispositivos computacionais e seus periféricos.nnAtualmente, e isto é um termo meu, considero que os analfabetos digitais são também aqueles que utilizam a internet como fonte de informação e de formação de opinião sem qualquer criticidade ou capacidade de filtrar verdades e mentiras sobre os conteúdos recebidos e compartilhados. Esse analfabetismo digital avançado explica porque o brasileiro nato é o cara que mais acredita em notícias falsas no mundo. Notícias que vão desde as que influenciam o processo político eleitoral até aquelas que são simples golpes praticados por vigaristas internacionais que sabem que o brasileiro não lê.nnInfelizmente a falta de leitura e de capacidade de interpretação do que possa ser útil daquilo que é falso ou fantasioso é um dos grandes problemas educacionais do Brasil. E que não se corrige apenas na escola, sendo algo que deve crescer com o próprio interesse do indivíduo de não aceitar a mentira, a partir da percepção de que a “indústria” de notícias falsas é uma organização com fins lucrativos a serviço de algum interesse fundamentado.nnAssim, a falta de interesse pela leitura, a falta de compromisso com a verdade e a excessiva obsessão por redes sociais estão tornando o brasileiro do século XXI, menos capacitado para a vida e para o trabalho do que os brasileiros analfabetos de um século atrás.nn*José Walmir Monteiro da Silva é escritor, professor e economista.

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