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Aluna relata rotina com depressão e professora cria projeto para abordar solidão universitária
“A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.” O sentimento que inspirou os versos do poeta Vinicius de Moraes também se manifesta nas vidas de muitos jovens.
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A fase, que deveria ser de conquistas e realização, como a participação na universidade, pode se transformar em um trauma a ser carregado pelo resto da vida.
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Foi o que aconteceu com a jovem Inglid Souza, de 26 anos. Depois de passar no vestibular e conseguir uma bolsa, em 2013, Inglid realizou o sonho de cursar medicina em uma faculdade particular de Sorocaba (SP).
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Mas o que ela não imaginava é que, junto com o sonho universitário, iria desencadear a depressão. Segundo especialistas, a doença tem sido frequente entre os jovens estudantes. E para enfrentar o problema, profissionais da área orientam a busca por ajuda.
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As universidades estão investindo em atendimento especializado aos alunos. De dez instituições em Sorocaba, sete oferecem atendimento psicológico ou psicopedagógico aos estudantes.
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Em paralelo, uma professora universitária da cidade, preocupada com a situação, também desenvolveu um projeto para tratar a “solidão universitária”, como ela chama o trabalho, em sala de aula (confira abaixo).
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O diagnóstico
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No mesmo ano que entrou na faculdade, onde estuda em período integral, Inglid teve o diagnóstico de depressão e ansiedade expedido por um psiquiatra, que constatou a necessidade de medicamentos para combater as doenças.
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“Meu primeiro ano de faculdade foi extremamente conturbado, fiquei com recuperações finais”, lembra a jovem.
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Inglid conta que, em sua pior fase, a depressão a impediu de continuar no curso. Por isso, precisou trancar um semestre da faculdade para tentar se recuperar.
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Durante o tempo em que precisou se ausentar da faculdade, a jovem conta que sofreu preconceito por parte de colegas sobre o tempo que levaria para concluir o curso de medicina. Ela lembra que só conseguiu superar o problema com a ajuda profissional.
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A psiquiatra Marcia Cliquet explica que qualquer doença do sistema nervoso central compromete as funções, o que engloba as relações, pensamentos, decisões e a afetividade.
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A longa jornada de trabalho ou estudo, a mudança de cidade, a necessidade de criar independência financeira colaboram para a sobrecarga e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de doenças e distúrbios mentais, explica a psiquiatra.
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“O preconceito de falar sobre doença mental faz com que a gente não fale sobre saúde mental”, comenta Marcia.
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Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas, o equivalente a 5,8% da população, enquanto os distúrbios relacionados à ansiedade afetam mais de 18,6 milhões de pessoas, ou seja, 9,3% da população.
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“Eu gostava de pedir ajuda, porque sabia que, se fosse para casa na condição em que estava, eu só ia querer me dopar”, conta a estudante.
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‘Solidão Universitária’
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Dar voz ou ouvidos aos jovens é uma maneira de fazer com que eles não se sintam sozinhos e, assim, combater a depressão. Pensando nisso, a professora universitária Mariana Fogaça criou o projeto “Solidão Universitária” para abordar o assunto em sala de aula.
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Por meio do projeto, as experiências vivenciadas por Inglid passaram a ser compreendidas pelo grupo de alunos da professora.
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Conforme Mariana, os alunos do primeiro semestre de publicidade e propaganda de uma universidade de Sorocaba estavam dispersos na aula de língua portuguesa e a maioria ainda não havia mantido contato com os outros colegas de sala.
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A docente de língua portuguesa então propôs aos alunos falarem sobre a solidão e o que ela representava para eles como parte das atividades do plano de ensino.
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“Sugeri que falássemos da solidão acadêmica. Dos calouros que chegam com certa imaturidade do ensino médio e sentem pela primeira vez a responsabilidade de uma universidade”, diz Mariana.
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Os alunos que se sentiam sozinhos em sala de aula foram acolhidos pelo tema proposto. Por meio dos trabalhos, como banners, curtas-metragens e textos, desabafaram para a professora sobre o que sentiam em relação a essa solidão, unindo todos pela mesma causa.
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“Esse voto de confiança foi de extrema importância para o aluno refletir e colocar para fora o que sentia”, diz a professora.
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Letícia Franquis, Allan Leme, Letícia Molena e Paulo Avance fizeram parte dessa turma e relataram a experiência de produção desses trabalhos. Os quatro foram reunidos e, em um tipo de mesa redonda, expuseram seus sentimentos sobre o que o projeto proporcionou ao grupo.
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Para Letícia, por mais que no início soubesse da importância de falar sobre a solidão acadêmica, somente a vivência em sala pôde concretizar seu real significado.
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“Consegui realmente me colocar no lugar das pessoas e ver que estava acontecendo muita coisa debaixo dos nosso olhos. Nos sentimos sozinhos e achamos normal, mas isso pode acarretar coisas muito piores”, afirma.
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A primeira reação de Letícia Molena quando entrou em contato com o tema foi de negação. Isso porque a aluna percebeu que o assunto era vivenciado por ela dentro da universidade. Letícia passava por uma fase difícil e se sentia sozinha.
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“Quando falamos sobre alguma coisa que a gente está vivenciando é muito frágil ir adiante. Esse trabalho mudou completamente a minha perspectiva de vida, da sociedade e em relação às pessoas que estão ao meu redor”.
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Auxílio em Sorocaba
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Segundo a psicóloga e professora universitária Sylvia Labrunetti, um passo importante é conseguir identificar a necessidade de ajuda, seja sozinho ou com ajuda externa, como de amigos e familiares ou até mesmo das faculdades e universidades.
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Pensando no bem estar dos alunos, as instituições estão investindo em atendimento. O G1 realizou um levantamento nas faculdades presenciais da cidade, públicas e particulares, que oferecem atendimento psicológico aos alunos.
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Das 10 instituições questionadas, quatro promovem atendimento psicológico, duas realizam atendimento psicopedagógico, uma oferece as duas modalidades e duas não possuem nenhum atendimento relacionado ao tema. Uma das universidades não respondeu ao questionamento.
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Segundo Sylvia, o atendimento psicopedagógico está relacionado à aprendizagem, que envolve o desenvolvimento de habilidades. Este tipo de apoio é feito quando existem dificuldades para aprender o conteúdo ministrado e se aprofunda em questões relacionadas ao ensino.
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O atendimento psicológico está relacionado a questões emocionais, como bloqueios de sentimentos, questões familiares e alguma dificuldade social, ou seja, engloba todas as questões do desenvolvimento do indivíduo.
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Período de grande crescimento
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Sylvia Labrunetti comenta que a juventude é uma fase de transição entre a infância e a vida adulta e, por isso, também de muitas decisões a serem tomadas.
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A profissional esclarece que, apesar da sobrecarga de horas de trabalho, seja em cursos de período integral ou para alunos que trabalham para pagar a mensalidade da faculdade, o período é de grande crescimento.
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“É importante que a universidade seja um local de reunião entre os universitários, de promoção de atividades de lazer que façam com que eles se desenvolvam e consigam desestressar”, finaliza.
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*Fonte: Portal G1