O número de brasileiros cumprindo pena em prisão domiciliar disparou nos últimos dez anos, revelando uma profunda transformação — e […]

Tornozeleiras substituem grades: prisão domiciliar cresce 40 vezes no Brasil
O número de brasileiros cumprindo pena em prisão domiciliar disparou nos últimos dez anos, revelando uma profunda transformação — e fragilidade — no sistema prisional do país. Dados mais recentes do Ministério da Justiça mostram que o total de pessoas em regime domiciliar saltou de pouco mais de 6 mil, em 2016, para cerca de 236 mil em 2025 — um aumento de quase 40 vezes. Hoje, um em cada quatro presos brasileiros cumpre pena em casa.
O avanço desse modelo está diretamente ligado à superlotação das penitenciárias. O sistema conta atualmente com 674 mil presos em celas físicas, mas dispõe de apenas 489 mil vagas, um déficit de mais de 174 mil. O cenário empurra o Judiciário e as autoridades penitenciárias a buscarem alternativas para reduzir a pressão sobre as cadeias — e a prisão domiciliar se tornou uma das principais saídas.
Durante a pandemia de COVID-19, a modalidade ganhou ainda mais força. A Justiça passou a aplicar o regime domiciliar a idosos, gestantes e pessoas com comorbidades, para evitar surtos dentro das prisões. Desde então, a prática se consolidou. A Lei nº 13.769/2018 também contribuiu para essa expansão ao permitir que mães, gestantes ou responsáveis por pessoas com deficiência cumpram prisão preventiva em casa.
Atualmente, cerca de 122 mil pessoas usam tornozeleiras eletrônicas para o monitoramento à distância, enquanto outras 113 mil cumprem prisão domiciliar sem o dispositivo. Especialistas alertam que a falta de fiscalização adequada pode transformar o modelo em uma “prisão sem controle”.
O problema se agrava porque não há padronização entre os estados. Em locais como Paraná e Amazonas, o número de presos em regime domiciliar já se aproxima — e em algumas estimativas, ultrapassa — o de detentos em regime fechado, reflexo da escassez de vagas e da dificuldade em manter a segurança pública com recursos limitados.
Para juristas e especialistas em políticas penais, a explosão das prisões domiciliares expõe tanto a crise estrutural do sistema prisional quanto a necessidade de repensar a aplicação de penas e o investimento em medidas alternativas. “Estamos trocando grades por tornozeleiras, mas não resolvendo o problema da reincidência nem da reintegração social”, avalia um relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
O governo federal defende a ampliação do monitoramento eletrônico e o aprimoramento dos sistemas de acompanhamento digital. Enquanto isso, a realidade é que o Brasil já tem quase 1 milhão de pessoas sob custódia do Estado, dentro ou fora das prisões — um retrato de um país que tenta equilibrar justiça, segurança e direitos humanos em meio ao colapso de seu sistema carcerário.